O tempo, o homem e o boi
Postado em 09 Sep 2016 23 52 Textos Anteriores











Haverá sentido em doar-se e não  
ser correspondido? Sim, mas não do   
jeito que imaginamos e queremos  


por JOMAR MORAIS


“Um discípulo reclamou ao rabino de Ger: 'Há vinte anos me esforço e não alcanço a realização de um artesão que se torna mestre de sua arte, seja pela criação de algo de melhor qualidade ou de algo que seja feito com maior eficácia e rapidez. Da mesma forma que era há vinte anos, assim sou hoje'.

“O rabino respondeu: 'Veja o caso de um boi, por exemplo. Todo dia pela manhã ele sai de seu estábulo, vai para o campo, ara a terra e é levado de volta ao seu estábulo. Isso é feito dia após dia e nada muda em relação ao boi – porém, a cada ano, a terra arada dá sua colheita'”.

Recolho esse precioso diálogo do livro “A Arte de se Salvar”, do rabino e escritor Nilton Bonder - um pensador nas áreas de humanismo e espiritualidade aclamado no Brasil, Estados Unidos, Europa e Ásia –, enquanto me inquieto com a questão das frustrações que, muitas vezes, sucedem a semeaduras realizadas pacientemente ao longo de anos. 

Haverá sentido para vidas consumidas em trabalhos em favor do próximo quando o próximo permanece incapaz de entender o esforço e prefere manter-se agarrado a boias de avidez, compulsão e julgamentos no maremoto de uma mente confusa? 

Haverá sentido em amar incondicionalmente, se os alvos desse amor preferem as ilusões da posse e as massagens enganosas em seus egos inflados?
Haverá sentido na insistência em buscar a verdade, se as massas optam pela ignorância como recurso para fugir à dor e à responsabilidade?

Sim! Mas não do jeito como imaginamos e queremos: um final triunfal, feito de ganhos e homenagens, elogios e salamaleques.

Como lembra Nilton Bonder, “nossa vida não é celebrada por qualquer diplomação ao concluirmos o currículo que imaginamos para ela”. Em vão nos moveremos para “tornar a vida estética através da expectativa de que tudo acontecerá em seu tempo certo”. Na verdade, não há sequer razão para essa expectativa, uma vez que ninguém não completa nada nem fecha qualquer ciclo por controle próprio.

Voltemos ao caso do boi. O que é estético ( arrumadinho, bonito e com significado) nessa história são os campos, que são arados, semeados e frutificam. “No boi em si, a vida não celebra, mas regozija-se de seus campos”, diz Bonder.

Essa percepção é importante, sobretudo, para aqueles que desejam seguir o caminho espiritual ou estão comprometidos com o dever em qualquer cultura.
Bonder acrescenta: “O desejo do discípulo de estar aperfeiçoando a si mesmo, como se estivesse esculpindo a si próprio, é uma ilusão. São os campos arados, ou seja, nossos feitos, que terão impacto sobre nós mesmos e sobre o mundo”.

Mas, afinal, isso nos leva a admitir que a vida é regida pelo princípio do “aqui e agora”?

“Sim”, diz o autor, mas diferentemente do sentido hedonista ao qual a expressão tem sido associada. “Aqui e agora não significa uma vida destituída de responsabilidades e projetos, mas a possibilidade de usufruir a potência da vida a cada instante. O depois será sempre objeto de controle; o 'aqui e agora' é o chão da entrega.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 06/09/16 ]

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Jomar Morais
10 Sep 2016 19 15
Quem escreveu? Voc esqueceu de se identificar.
O pensamento de Bonder reflete a prtica dos santos e sbios. Doar-se vida, a Deus, na vivncia do amor. No preocupar-se em esculpir-se, mas servir. Todas as grandes tradies espirituais e, penso, a Doutrina Esprita dizem a mesma coisa.
10 Sep 2016 08 06
O pensamento de Bonder parece se contrapor ao ensinamento da Doutrina Esprita, quanto questo da 'importncia' da busca do aperfeioamento do ser.
No entendi Bonder, a Doutrina ou nenhum dos dois? Grata!
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