Conversa íntima com o meu mestre
Postado em 30 Dec 2018 02 40 Textos Anteriores



Ser cristão hoje é quase tão difícil quanto no primeiro século. O materialismo da
civilização cristã ameaça a essência e a continuidade do Cristianismo.

[ Veja o vídeo baseado nesta crônica em >>> https://www.facebook.com/jomar.morais.5/videos/1240745426063560/  ]

por JOMAR MORAIS


F
inalmente te reencontro em teu disfarce mais suave e encantador - o de menino da manjedoura - e minha alma  se acalma e se transmuta. Minha criança, adormecida, acorda em mil recordações e, de novo, minha meta é desaparecer no mar do amor e da compaixão.

Teu olhar penetrante, teus braços abertos, teu corpo frágil sob as estrelas em desapego absoluto, dissolvem as minhas dúvidas, cessam todas as perguntas: perder-se em Deus é o maior dos achados!

Ainda assim, amigo e mestre, peço-te que me suportes nesta breve confissão. Foi difícil, dessa vez, redescobrir em mim o teu presépio e o refrigério desta narrativa. Longa foi a travessia, na noite cálida e árida, do deserto de sentimentos e palavras. Cansado, no corpo e no espírito,   restou-me a impotência para enxergar e, sobretudo, para tecer.

Noite escura, meu mestre, noite escura. Só a lembrança das noites sem estrelas de Francisco e João da Cruz manteve-me de pé, tateando as substâncias amorfas em minhas profundezas, na intenção de resgatar-lhes o brilho e as formas. 

Mas está escrito: o clarão do Sol sempre sucede a treva. E eis-me aqui, santo menino, na alegria desse novo dia, renovando o meu “sim” a ti ante os novos desafios.

Teu presépio expande-se pelo mundo inteiro e provoca-nos de dezembro a dezembro. Se não o percebemos, é porque a sombra dos egos inflados ainda nos retém na noite dos desejos mesquinhos e insaciáveis. A avareza nos cega, o medo nos imobiliza.

Não é a economia que sustenta a vida. É a compaixão.

A “sagrada família” cruza fronteiras, sob a aparência de migrantes em busca de sobrevivência e paz, e outra vez recusamo-nos a acolhê-la no coração e em nossas casas. Ignorantes e cruéis, a golpeamos com o chicote dos preconceitos e a ação virulenta das armas.

Há meninos Jesus nas ruas e em barracos, sem comida e sem escola, e eles nos incomodam em seu abandono. Pior: temendo que subtraiam de nosso celeiro em tempos de escassez, apressamo-nos em tirar-lhes as migalhas caídas de nossa mesa em dias de abastança.

Há sedentos sem água. Há doentes sem assistência. Há presos sem justiça. E para todas essas tuas aparições em nosso caminho, conforme a letra do Evangelho, voltamos as costas para que não nos despertem a consciência anestesiada.

Evocamos números e fórmulas para dissimular nossa indiferença. Clamamos pela força bruta e a tortura das geenas a fim de proteger nossa avareza e nosso ímpeto de prazer egóico. 

Em vão, meu mestre, em vão.

Não é a economia que sustenta a vida. É a compaixão. Nenhum homem, rico ou pobre, sobrevive sem a compaixão dos que o amparam na manjedoura da infância e nos calvários da estrada. A vida confirma o Evangelho.

Não é a violência nem a punição sem misericórdia que garantem a segurança e a paz. É a capacidade de amar e repartir que torna pacíficas e acolhedoras as comunidades. A vida confirma o caminho do ágape, o amor incondicional.

"Quero Jesus inteiro, da manjedoura ao Calvário"

Santo menino da manjedoura, meu mestre e amigo, que o teu Natal nos conduza de volta à ternura, mas, acima de tudo, à coragem da ação. Que o teu Natal nos liberte do cativeiro das ilusões e nos leve ao refúgio compassivo da fraternidade.

O simbolismo da Noite de Belém suaviza minhas dores e alegra minhas horas. Mas isso não me basta. Não te quero em pedaços, Jesus de Nazaré, escolhendo em tua vida o que me convém. Quero-te inteiro, da manjedoura ao Calvário, ainda que sejam frágeis os meus músculos e débil a minha determinação.

Humildemente eu te rogo, meu Mestre e meu Senhor:

Ajuda-me a amar e a dialogar com os “samaritanos” de outras crenças, consciente de que o Amor e a Verdade têm muitas faces e linguagens.

Anima-me a acolher e a respeitar a diversidade das raças e das culturas, da condição sexual e das visões de mundo, certo de que cada um se apresenta com o dom natural que lhe é próprio e tenta responder ao chamado da vida no limite de suas forças e sabedoria.

Ensina-me a não julgar e a considerar as dores ocultas de cada ser, perdoando para ser perdoado no circuito infinito das interações da vida. Que eu ame e acolha os não amáveis.

Estimula-me a coragem de amparar o fraco e não acovardar-me ante o forte, a não colaborar com a injustiça e, muito menos, a promovê-la.

Ajuda-me a não discriminar nenhum homem, inclusive os ricos e poderosos, sem trair minha consciência ou submeter-me à inquidade.

Dá-me força para proclamar a verdade que me guia, sobretudo sem palavras, e a silenciar para refugiar-me em tua sabedoria sempre que necessário.

Deixa-me celebrar a vida, contigo e com meus irmãos, sem nunca renegar a cruz inerente ao meu compromisso.

Ensina-me a ver com clareza o circuito infinito da vida e da morte - da manjedoura e da cruz - para que eu possa abraçar os opostos com equidade, alegria e gratidão.

Jesus, meu mestre,
em um mundo sob o comando dos falcões do egoísmo e da guerra, que todo aquele que te ama jamais desista de semear amor e paz, justiça e compaixão!

Feliz Natal! Feliz 2019!   

                                                           
[ Escrito em 22/12/18 ]

                   Veja os vídeos da TV Sapiens >>> https://youtube.com/sapiensnatal




Para abrir a janela de comentarios, clique sobre o titulo do texto ou sobre o link de um comentario >> (1): Jorge Braúna