O artista popular no palco das feiras livres
Postado em 25 Apr 2014 10 12 Cultura Popular







A magia da autêntica arte popular   
faz da feira livre um núcleo de   
preservação e resistência cultural   



“Ouço no aboio dos vaqueiros nordestinos, o canto ancestral do povo árabe”, disse certa feita o escritor Mário de Andrade, em suas pesquisas feitas pelo interior do Brasil, quando, pela primeira vez na história, foi feita uma riquíssima pesquisa sobre nossa música, nosso folclore, nossos costumes. A identidade de um povo percorre séculos se adaptando às intempéries do ambiente no qual é arrastada a viver. 

Desde o Brasil colonial, as feiras nordestinas foram lugar de encontros e vivências profundas. Sob os olhares austeros da Serra do Chapéu e da Serra de Santana, poetas, violeiros e artesãos se tornaram personagens de uma história de resistência num clima tão seco e arredio, lapidando a trajetória do seu povo, ajudando a construir uma identidade singular nesse país-continente...

O Mamulengueiro chama a atenção dos transeuntes que passam com suas sacolas esborrotadas de mangas maduras, graviola, caju, maxixe, espigas de milho, feijão “de arranca”, arroz da terra, macaxeira... O violeiro repentista traz as novidades, com seu olhar arguto sobre esse mundo velho de guerra. Do outro lado da rua, dá pra ver, através das barracas, um artesão com suas panelas e apetrechos feitos do mais fino barro seridoense. O sanfoneiro, juntamente com o “triangueiro” e o zabumbeiro, tocam um baião desengonçado na porta da bodega repleta de fumo de rolo, sodas brancas e pretas, vinho do “Padim Pade Cíço”, café torrado e moído ali pertinho, nas brenhas de algum sítio perto de onde nasceu Currais Novos, lá pras bandas do Totoró. O Cordelista recita seus folhetos a plenos pulmões, tentando despertar o interesse das pessoas por suas histórias de trancoso, deixando de contar o final, justamente no momento crucial... quem quiser saber o final do causo vai ter que comprar o cordel, é baratinho, não vai doer no bolso, mas vai alegrar a família, à noitinha, no alpendre, depois da janta com fava e arroz de leite, mais um prato de coalhada com açúcar e farinha. Ainda tem o vendedor de carrinhos e peças de madeira, talhando nas imburanas da vida o seu pão de cada dia.

A cultura nordestina é um amálgama de tradições seculares, trazendo em seu âmago todos os anseios e perspectivas de um povo miscigenado, mas fortalecido em sua nova identidade multifacetária. A expressão destes artistas do povo, em seus palcos que são as feiras sertanejas, não é apenas o desejo de provocar o riso dos passantes; essa expressão carrega em sua essência a condensação da história de todo o seu povo, dos índios que aqui viviam e foram massacrados pela invasão dos europeus, dos negros trazidos do continente africano à força, aos milhões, nos navios negreiros em condições subumanas, dos degredados portugueses que aqui vieram embrenhar-se nesta mata fechada chamada terra de Santa Cruz. 

É esse fazer artístico que tem sido produzido nos mais longínquos rincões da Serra de Santana e arredores, brotando do seio das feiras seridoenses, que nestes séculos pesados têm sido o lugar de encontro das pessoas, não apenas para a compra de suas provisões, mas para se relacionarem umas com as outras, desenvolvendo-se em meio a essa caatinga causticante e árida. Com o intuito de expressar seus sentimentos, não sabiam estes artistas que estavam condensando e potencializando séculos de lutas, de sofrimento, de alegria, de esperança...

Wescley J. Gama


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Aldenir Dantas
26 Apr 2014 15 31
Errata: Onde se lê "Já vi pessoas dizerem", leia-se "Já ouvi pessoas dizerem", pois, mesmo Wescley Gama sendo um ótimo poeta, isso aqui não é lugar para sinestesias. Rssss.
Aldenir Dantas
26 Apr 2014 00 16
Já vi pessoas dizerem, principalmente em relações a certos casais: "eles se merecem!" Repito esta frase no seu sentido literal e sem nenhum trejeito na pronúncia ou ou no olhar em relação a Wescley e ao Planeta Jota. Parabéns aos dois, abraços e vida longa a esta promissora parceria.
Jomar Morais
25 Apr 2014 10 15
Bem-vindo, caro Wescley, ao Planeta Jota. Estamos felizes por você agregar valor ao nosso site.
Grande abraço!
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