Ainda a Copa, ainda meu pai: a arte da resistência
Postado em 14 Jun 2018 02 21 Textos Anteriores











Tidão, craque de bola na era do futebol   
romântico, e o desafio de  superarmos    
nossas perdas como nação: resistência   
e esperança aos 92 anos de idade.   




por JOMAR MORAIS   



Há quatro anos escrevi no Novo Jornal a crônica que transcrevo abaixo, uma singela homenagem a meu pai e ao povo brasileiro na abertura da Copa do Mundo da FIFA, então realizada pela segunda vez no Brasil.

Um texto pobre, sim, mas repleto de vida e emoção. Escrevi-o com fé, deixando as palavras rolarem, como bolas, no gramado de esperanças de um coração que ama um pai e seu povo.

No final, a alegria de meu velho e nossa gente não veio – e não apenas pela Taça que nos foi interditada com humilhação esportiva. Na sequência rolaram também sonhos de democracia e de justiça social, de independência e de atuação proativa no cenário mundial... de unidade como nação. Dias difíceis de um tempo difícil, assinalado pelo retorno dos falcões ao controle do mundo.

Ainda assim meu pai resiste e sorri. Agora nonagenário e envolvido em batalhas contra gripes, infecções e amnésias, apenas mostra-se um tanto despreocupado – como todos nós – com a Copa da Rússia que começa agora.

Arrebataremos a Taça dessa vez?  Perderemos com honra? E o que virá na sequência? Ah! O que virá na sequência?

Nuvens escuras pairam sobre o Brasil. Fragilizado, meu pai sobrevive. E, como ele, nossa esperança. Vida longa para a Seleção e para todos os sonhos que, em meio à tragédia de nossa realidade político-social, levam-nos à constatação necessária de que ainda somos uma nação.

Eis o texto:
 
Uma Copa para meu pai

Sou filho de atleta, filho de craque do futebol. Entre as mais remotas recordações de minha infância está o périplo por bares humildes de uma Natal humilde, segurando firme a mão daquele homem ainda jovem, orgulhoso dos comentários que seus amigos e fãs me endereçavam: “Olha aí o Tidão novo! Olha aí o Tidão novo! Vai dá muitas vitórias ao ABC”. 

Eram todos profetas incompetentes. Nunca aprendi a chutar uma bola, apesar de instruído por dois mestres – meu pai e meu tio Jorginho, ídolo do futebol potiguar. Cresci, virei jornalista e, nessa arte de rolar palavras, até abocanhei um naco do Prêmio Esso de melhor cobertura da Copa do Mundo de 1982, conquistado pela Editoria de Esportes do saudoso Jornal da Tarde, de São Paulo. Numa época em que os jornais ainda careciam de copidesques (redatores) para aperfeiçoar os textos de repórteres iniciantes, escrevi sobre futebol sem saber – como acontece até hoje! - o que é o tal do “impedimento”...

Sou filho de craque de um futebol artesanal, pura arte popular, feita por jogadores apaixonados que se contentavam com elogios em bares e, até o fim da carreira, permaneciam no cinturão de pobreza de onde emerge a maioria de nossos astros desde que o futebol perdeu o glamour britânico em clubes do Rio de Janeiro, há quase 100 anos. Mas meu pai, com apenas o curso primário concluído, teve sensibilidade e argúcia para ensinar o seu primogênito a ler jornal e a observar a história, esclarecendo-me com suas lembranças nem sempre gloriosas como seus gols.

E foi assim que jamais esqueci aquele fatídico 16 de julho de 1950,  quando os destemidos uruguaios roubaram a alegria de nossa gente, ainda mais simples e  mais sofrida. Eu só nasceria três anos depois, mas a dor daquela tragédia respingaria em mim pelo relato dramático de meu pai, certamente moldado na emoção dos narradores do rádio. “Foi terrível. O povo saiu chorando do Maracanã, o país inteiro se entristeceu”, dizia-me, com a tinta forte da entonação.

E foi assim que, como brasileiro e como filho, emocionei-me há sete anos quando o nosso país foi escolhido para sediar a Copa que começará daqui a dois dias.  Afinal, havia uma chance, uma segunda chance, de meu pai, e de todos os brasileiros sobreviventes que choraram há 64 anos, finalmente resgatarem a alegria sequestrada, vibrando com a taça levantada no mesmo Maracanã por meninos guerreiros ainda emergentes do cinturão de pobreza, embora guindados à condição de novos ricos no labirinto de um futebol empresarial repleto de maracutaias.

Que importa? Eles são o Brasil. A Seleção é o Brasil. É nossa cultura e nossa história. É um símbolo e uma relação que transcende nossas divisões e ideologias. Somos uma nação, apesar de nossas diferenças e de nossas dores e temos o direito de celebrar.

Que a bola role e a taça fique. Que meu pai, octogenário e sobrevivente – e com ele todo o nosso povo - finalmente possa chorar de contentamento”.

[Publicado no Novo Jornal de 10/06/2014]

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Eleudo Campos Stan
21 Jun 2018 00 37
Emocionante, Jomar.
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