Francisco e a paz
Postado em 08 Oct 2017 15 41 Textos Anteriores











O que diria o santo de Assis a Donald Trump e    
Kim Jong Un? Ou ao Estado Islâmico, às gangues   
brasileiras e aos que disseminam o ódio na net?   


por JOMAR MORAIS



A lembrança de Francisco neste 3 de outubro, data de sua morte e véspera do dia que lhe é consagrado pela Igreja de Roma, leva-me ao devaneio de tê-lo entre nós nestes tempos de nuvens escuras e explosões de violência.

O que diria o pobre de Assis a poderosos como Donald Trump e Kim Jong-Un em seus ensaios de guerra? Que atitude tomaria se deparasse com os líderes do grupo Estado Islâmico? Como reagiria se assaltado nas ruas do Brasil por uma gangue armada? O que pensaria da violência das forças de segurança em sua crença de que só a brutalidade detém a brutalidade? O que aconselharia aos políticos e seus eleitores entretidos em mensagens de ódio contra seus opositores?

Francisco nasceu em um tempo de conflagração. Na pequena Assis do final do século 12, os pobres e pequenos proprietários reagiram à opressão dos senhores feudais e os castelos arderam no vale da Úmbria. Jovem, foi à guerra ao lado dos humildes e na experiência do cárcere viu além das brumas em que se perdem os homens. 

Nunca mais seria o mesmo. Na solidão dolorosa dos que transcendem a ilusão, testou e comprovou em si mesmo a excelência da virtude até transformar-se no “santo de Deus” aclamado pelas massas, convencidas por seu exemplo de amor e despojamento. Foi nessa condição que o pobre Francisco nos ensinou a paz com palavras e gestos de imensa suavidade.

Na segunda década do século 13, Inocêncio 3º, o papa mais poderoso da história, queria os fradinhos na cruzada contra os cátaros, os cristãos heréticos da cidade da Albi, na França, críticos do divórcio entre a Igreja e a pobreza. Francisco responde que os heréticos certamente voltariam às suas origens se os católicos lhes provassem que estavam certos simplesmente vivendo o amor a que exortara Jesus.

Durante o cerco a Damieta, no Egito, em 1219, Francisco, que acompanhara a quinta cruzada, sem posses e sem armas, avança até as linhas das tropas do sultão Malek el-Kamil. Vendo-o maltrapilho e desarmado, os soldados o poupam e o levam à presença da autoridade. Francisco e o sultão conversam, o pobrezinho ouve e argumenta com ternura. Depois, os soldados o levam em segurança até à linha dos cruzados. 

O que teria se passado naquele diálogo? Só restaram versões. No entanto, desde então os franciscanos passaram a ter livre trânsito em Jerusalém, na época sob domínio islâmico, e Francisco adotou a expressão “altíssimo” para a referir-se a Deus, como fazem os muçulmanos. Sob orientação do pobre, em seus périplos missionários os fradinhos jamais afrontaram a fé islâmica.

Um dia, em Montecasale, numa das montanhas da Úmbria, os irmãos estavam reunidos quando alguns assaltantes os cercaram. Um dos fradinhos, ex-cavaleiro, reage com habilidade militar e os ladrões fogem. Ao chegar, Francisco é informado e sua reação é surpreendente. Fala-lhes sobre o ladrão do Calvário e pondera se sua história não teria sido diferente se alguém tivesse lhe ofertado antes carinho e pão. Depois, ordena que o ex-cavaleiro vá ao encontro dos malfeitores, estenda-lhes uma toalha, sirva-lhes pão e vinho e, ao final, suplique-lhes que não assaltem ninguém. “O resto será feito pela misericórdia divina”, disse. A partir desse dia, os ex-ladrões passaram a subir a Montecasale levando lenha para os fradinhos. Alguns deles ingressaram na Ordem. E Francisco, que já adotara os mendigos e os leprosos, inicia aí sua atenção pedagógica aos “irmãos ladrões”.

Em 1225, Francisco, leproso e a caminho da morte, compõe o “Cântico das Criaturas”, talvez o mais belo poema a Deus e ao amor depois dos versos de Paulo no capítulo 13 da 1ª epístola aos Coríntios. Logo em seguida fica sabendo da violenta disputa que travavam, em Assis, o governador Oportolo e o bispo Guido, seu protetor na primeira hora. O pobre dita a frei Leão uma nova estrofe para o hino, bendizendo os que perdoam pelo amor de Deus, e pede que os frades cantem a peça em praça pública diante do bispo e do governador. Quando os acordes alcançam as fibras das almas, Oportolo e o bispo Guido aproximam-se um do outro, ajoelham-se e imploram reciprocamente o perdão “pelo amor de Deus e de seu servo Francisco”.

Bem sei que, escrevendo assim, pareço ingênuo. Que homem poderoso, que homem comum, desse mundo moldado na avareza da posse e do controle, levaria em conta Francisco e a pureza “infantil” de sua lógica? Mas eu prefiro acreditar e, no estreito vão de meu limite, tentar fazer acontecer.

“Você pode achar que sou um sonhador. Mas eu não sou o único. Espero que um dia você junte-se a nós”, diria John Lennon.
[ Escrito em 03/10/17 ]

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