De anjos, capetas e distraídos
Postado em 30 Mar 2017 02 31 Textos Anteriores











Índigo e cristal são rótulos fantasiosos, mas a  
hiperatividade e o déficit de atenção são reais:  
uma patologia que atinge crianças e adultos  


por JOMAR MORAIS


Há quase 20 anos li um texto sobre criança índigo e, ao final, minha conclusão era oposta à do autor. Até hoje os índigos são um tema recorrente em ambientes religiosos milenaristas, onde se anuncia a iminência de uma nova era gerenciada por seres iluminados que dariam um upgrade em nossa rotina de aflições e mesmices. Mas, como tantas profecias milenaristas, esta também não passa de um rótulo fantasioso.

No texto citado, as crianças índigos eram apresentadas como meninos de grande sensibilidade e inteligência que chegam à Terra com um “senso de realeza”. Tem projetos e não se dobram ao estabelecido, gostam de impor seus desejos e estão sempre em movimento, fazendo muitas coisas ao mesmo tempo. Os índigos são hiperativos, dizia o autor.

Então pensei: em vez de anjos, seriam os índigos a encarnação de capetas, uma espécie de nova geração de meninos mimados que infernizam o seu entorno com suas vontades exageradas, coisa que antigamente era resolvida por um psicólogo de couro? Como reconhecem pediatras e cientistas, teses como as das crianças índigos e cristais são raciocínios generalistas que podem se aplicar a qualquer um, em qualquer tempo.

Mas, nessa construção fictícia, há um dado preocupante extraído da realidade: a incidência da hiperatividade em nossas crianças, com prejuízo à sua qualidade de vida e à de todos envolvidos na sua formação. Meninos índigos seriam sensíveis, inteligentes, mas atropelados pelo déficit de atenção e a hiperatividade. Ou seja: teriam percepção apurada, criatividade, mas também dificuldade de levar qualquer obra adiante, pois sua mente acelerada e distraída está sempre buscando novos estímulos.

Aqui o devaneio de uma tese milenarista pode encontrar os fatos e a ciência. A hiperatividade é uma questão real,  uma patologia global cujas raízes estão na genética, no ambiente e na cultura. Crianças são hiperativas porque este traço lhe foi transmitido pelos genes de pais hiperativos ou provocado mediante o consumo de alimentos não saudáveis ou ainda pela mimetização de hábitos domésticos ou comunitários. No fundo, a hiperatividade é um problema dos adultos, embora, geralmente, sejam as crianças que são levadas aos consultórios em busca de um milagre químico, enquanto seus pais permanecem perdidos no caos. 

Quase tudo, hoje em dia, nos empurra à atividade multiforme e doentia - da cultura empresarial, que valoriza a polivalência de habilidades e a superposição de tarefas, às mensagens “nervosas” da propaganda e a overdose de notícias e, claro, as redes sociais, cujos conteúdos sem foco e sem senso nos mantém aprisionados a um carrocel de sensações. Sinal vermelho!

Achar que o cérebro pode processar duas coisas ao mesmo tempo é balela atestada pela ciência. É preciso parar, focar, refletir. É preciso filtrar, processar, relacionar. É preciso pausar, relaxar, dar uma chance para a intuição. É preciso observar e fruir a vida em seu fluxo natural. 

Se isso nos parece impossível, é porque, certamente, já nos tornamos índigos...

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 21/03/17 ]

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