Um desafio das ruas
Postado em 22 Mar 2017 04 05 Textos Anteriores











A cidadania plena e a ação do estado são  
a solução efetiva para os moradores de rua.  
Mas até lá é preciso mantê-los vivos.  


por JOMAR MORAIS


A noite cobre a cidade e a maioria das pessoas, em casa, cumpre a rotina modorrenta: a novela, o filme, a paranoia de que a violência urbana ultrapasse seu muro, sua cerca elétrica. Mas, ainda que em minoria, há vida além do medo e da indiferença. Nesse mesmo horário, pequenos grupos circulam pela cidade servindo sopas a mendigos famintos, tratando seus corpos feridos, aquecendo-lhes as almas com um naco de atenção. 

É um dado alvissareiro o aumento dessa ação voluntária que reúne, quase sempre, jovens idealistas. Não é a solução para o grave problema social da população carente que vive nas ruas, mas é parte indispensável dela. É falácia e escapismo afirmar-se, diante de quem não tem o que comer e nem onde morar, que melhor do que dar um peixe é ensinar a pescar. A prioridade é manter a pessoa viva e saudável. Sem isso nenhuma aprendizagem será viável.

A maioria dos voluntários tem inspiração religiosa. Praticam o amor ao próximo sob a inspiração de uma crença e, não raro, a utilizam para resgatar moradores de rua do alcoolismo e das drogas, reconciliá-los com suas famílias e promover sua autoestima, ponto de partida para a reinserção social. E aqui, de novo, é preciso realçar que se trata de uma parte da solução, embora a questão dos valores e das crenças esteja na base de todos os problemas de nossa sociedade movida a egoísmo e materialismo.

No Brasil do século 21 não temos mais os pobres e miseráveis do país rural da primeira metade do século 20, que não tinham dinheiro, mas dispunham de um palmo de terra para cultivar o alimento e de uma família para amarem e serem amados. Temos uma população em situação de rua que resulta de um sistema político-social mesquinho e injusto, manipulador de pessoas e falsário da ética – sobretudo, a cristã -, ágil em descartar nas suas geenas os menos aptos, os que não consomem e não geram lucros e os triturados pelas viciações.

Uma pesquisa do Ministério de Desenvolvimento Social, de 2008, mesmo defasada nos ajuda a entender o pano de fundo desse desafio. 82% dos adultos moradores de rua são homens e, no conjunto, 67% são negros e pardos. 30% foram levados a essa situação pelo desemprego, outros 30% em razão de conflitos familiares e 35% devido ao alcoolismo e drogas. Entre crianças e adolescentes em situação de rua, o percentual de negros e pardos é ainda maior, 72%, e no conjunto também há predominância do sexo masculino, 72%. Brigas e violência doméstica, alcoolismo e drogas e até a busca de liberdade são os principais motivos que os levaram a sair de casa.

A simples leitura desses dados nos chama à realidade: a solução integral para os moradores de rua passa pelo reconhecimento de seu direito à cidadania, por políticas sociais que priorizem o resgate dessa população e por uma mudança de visão da sociedade, com superação do preconceito. 

Esse esforço tem de ser feito paralelamente às ações assistencialistas. E até que os resultados apareçam, dar o peixe, com amor e carinho, é o pouco que vale muito para quem nada tem.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 14/03/17 ]

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