Uma lição da Albânia
Postado em 02 Mar 2017 15 33 Textos Anteriores







JM na Albânia: surpreso  
 com os encantos do país  
e com as lições deixadas  
 pelos anos de chumbo  



 por JOMAR MORAIS


Quando falei que encerraria meu mochilão 2017 na Albânia, alguns amigos reagiram: 

- O que alguém pode encontrar na Albânia? 

- Belas paisagens, picos nevados - respondi.

Agora, no caminho da volta, percebo o quanto fui incompleto. A reação dos amigos é compreensível. Sabemos pouco sobre esse país, alám de seu passado recente de ditadura repressiva e da corrupção e do tráfico de drogas e pessoas que se alastraram após a queda do regime, em 1992. A natureza isolou a Albânia do resto da Europa, cercando-a com as montanhas dos Balcãs, e a experiência comunista liderada por Enver Hoxha, em seu confronto simultâneo com o capitalismo e os titâs comunistas de então - a União Soviética de Krushev e a China de Mao - segregou do mundo os albaneses.

Por enquanto ainda é preciso cruzar o Atlântico, o Mediterrâneo e o Adriático para, chegando lá, conhecer o lado oculto desse território pouco maior que Alagoas, feito de paisagens deslumbrantes, povo acolhedor e uma saga milenar marcada por invasões, devoções e contradições. A Albânia dos dias de chumbo de Enver Hoxha é a mesma que deu ao mundo madre Teresa de Calcutá, hoje a figura mais reverenciada no país depois de Skanderberg, herói da luta contra os otomanos. E Hoxha, o ditador da mão pesada, é o mesmo que aumentou o índice de escolaridade a 98% da população e levou a assistência médica às vilas das montanhas, feitos que até hoje ajudam a manter os indicadores sociais da Albânia, o país mais pobre da Europa, acima dos do Brasil, a 9ª potência econômica do planeta.

O pós-comunismo trouxe a expansão econômica e urbana, com seus prós e contras. A população de Tirana passou de 200 mil para 900 mil habitantes, há desemprego e subemprego e um salário mínimo de 200 euros, pouco menor que o mínimo brasileiro. A abertura para o turismo tem acendido esperanças. Muitas obras na capital do país resgataram a beleza de seus antigos bulevares, repletos de cafés estilizados, abriram novos parques e harmonizaram o furor dos arranha-céus - principalmente sedes de grandes bancos e hotéis - com o cenário natural pontuado por montes como o Dajti, quatro lagos urbanos e dois rios que cruzam a cidade.

Fui fisgado pelos encantos simples de Tirana e meu coração balançou em Escodra, junto à paisagem estonteante de seu lago, na fronteira com Montenegro. Mas foi a visita ao bunker antiatômico que abrigaria Hoxha e o comando militar em caso de ataque nuclear que me lançou à reflexão. 

O governo comunista imaginou a construção de 700 mil bunkers e minibunkers para abrigar a população, projetou 222 mil e construiu pouco mais de 171 mil. Esses patéticos esqueletos estão lá, junto às estradas e sopés, alguns transformados em museus, como o de Hoxha, um colosso de quatro andares incrustado na rocha. São testemunhas de um tempo de medo e cultivo do medo, um sinal do quanto as multidões podem ser usadas a partir do temor.

No caminho da volta perguntei aos meus botões: ainda teremos bunkers no Brasil? Pergunta boba. Já temos os muros, as cercas elétricas, os condomínios fechados... Tudo certinho, sob a democracia e a iniciativa privada. 

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 21/02/17 ]

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