A trincheira e a trégua
Postado em 31 Dec 2016 14 58 Textos Anteriores













Diante de um ano que começa sob maus presságios, que o nosso cântico
dissolva toda treva e ilumine os caminhos com a harmonia da compaixão


por JOMAR MORAIS


No próximo domingo iniciaremos um novo ano sob maus presságios e insegurança mundial. 

A previsão do futuro sempre foi uma arte enganosa, seja na boca em transe dos místicos ou na prestidigitação dos números dos economistas e futurólogos. A regra é errarem o alvo, errarem feio. As manchetes provam isso. Ao longo da história foram, talvez, os ficcionistas os que melhor vislumbraram o porvir enquanto brincavam de tecer sonhos. A realidade, sabemos agora, pode ir além da ficção.

Em 2017 tudo pode acontecer. O tabuleiro está disposto para os piores lances. Saímos de 2016 em uma guinada conservadora no qual os números voltaram a valer mais que as pessoas e os falcões retomaram o controle dos céus, com sua simbologia contraditória: é o olho que tudo vê e pode encarar o Sol, mas é ave de rapina, guerreira, ávida para abocanhar suas presas.

A Europa, assustada e empobrecida, pode inclinar-se ainda mais à xenofobia. Os Estados Unidos de Trump, olhando o futuro através da janela do passado, pode anular os tímidos avanços da era Obama e azeitar a fogueira da truculência. Nesse jogo, há pouco – ou nenhum - espaço para os emergentes, como o Brasil, e aos pobres daqui e do mundo inteiro caberia pagar a conta em dinheiro, suor e sangue. 

Quem sabe, a Terceira Guerra já começou, como imagina o papa Francisco, um raio de luz a resistir à treva que se amplia. Está aí sorrateira, espécie de guerrilha do mal que transpõe fronteiras, disfarçando o jogo de grandes interesses terrenos sob as cores dos conflitos religiosos. 

As crianças de Allepo. Quem se importa com elas? Os refugiados do Mediterrâneo. Quem se interessa em acolhê-los? Os famintos da África e os pobres da América Latina e até os dos Estados Unidos. Quem os coloca como prioridade?

Ainda assim, na impossibilidade de garantir o futuro, a esperança resiste e pode um dia pôr à mesa os jogos improváveis. A história está pontuada de exemplos.

No Natal de 1914, sob o furor da Primeira Guerra, tropas britânicas e alemães entrincheiradas na Frente Norte de combates, na Bélgica, viram suas vidas mudarem com um simples cântico desafinado. Os alemães entoaram “Noite Feliz” em seu idioma e logo puderam ouvir, da trincheira rival, a mesma canção cantada em inglês. Não durou muito para que uma trégua fosse negociada. Os soldados de ambos os lados puderam enterrar seus mortos e, sensibilizados pela fé comum, abraçaram-se, trocaram bebidas e cigarros e até jogaram futebol. No dia seguinte, quando a guerra recomeçou, ninguém mais conseguia acertar o alvo, matar o “inimigo” e as tropas tiveram que ser substituídas para que os governos seguissem em seus intentos belicistas. No coração dos soldados, o amor tinha vencido.

Diante de 2017 que chega ensombreado, renovemos a esperança de uma nova trégua e para isso, de nossa trincheira, cantemos o cântico outra vez. A paz duradoura não virá dos interesses gananciosos que nos dirigem – nossos altos comandantes! -, mas da ação efetiva de soldados rendidos à ternura.

Feliz Ano Novo!

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 27/12/16 ]

Veja os vídeos da TV Sapiens na Terra Santa: Belém, Jerusalém, Galileia, Hebron, Jericó. Acesse > www.youtube.com/sapiensnatal

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