O século de Fidel
Postado em 03 Dec 2016 01 17 Textos Anteriores









Na verdade, o século 20 morrerá conosco.  
É a nossa memória que mantém os ícones de  
nosso tempo, depois depurados pela história  


por JOMAR MORAIS


A morte de Fidel Castro trouxe de volta às manchetes e comentários uma expressão recorrente nas últimas décadas: “O século 20 acabou”. É um chavão que foi usado, por exemplo, em 2001, para dar uma ideia do significado e das consequências dos atentados às torres gêmeas de Nova York, e, em 1989, para realçar o alcance da queda do muro de Berlim.

Dizem que um século acaba quando seus ícones desaparecem. E não há como negar que Fidel Castro é um dos ícones mais expressivos e importantes do século passado, goste-se ou não dele e de sua obra. Uma pessoa ou um evento se torna ícone de um tempo quando deixa marcas sobre as pessoas e o mundo.

O século 20 produziu muitos ícones e, desde então, tem morrido com eles. Com Hitler e Churchill, Stalin e Roosevelt, Mao Tse Tung e Gandhi, Margaret Tatcher e Mandela, Albert Einstein e Tereza de Calcutá, Martin Luther King e Getúlio Vargas, Perón e The Beatles, Louis Armstrong e Fellini, Steve Jobs e Picasso, Freud e Andy Wharol, John Wheeler e João 23, Neil Armstrong e Chico Xavier... Todos eles ajudaram a formatar o mundo como ele é hoje, com sua luz e sua treva, seu conhecimento e sua ignorância.

Mas, com certeza, o século 20 ainda não acabou e, para além das engrenagens que movem nossas contradições e incertezas, resiste nos ícones que ainda podem contemplar suas realizações e, às vezes, chorar sobre seus equívocos. Gorbachev e Rolling Stones, Stepehen Hawking e Lech Walesa, Bill Gates e Marlon Brando, Steve Spilberg e Mark Zuckerberg, Tim Berners-Lee e Pelé, Bob Dylan e o Dalai Lama Tenzin Gyatso, a ONU e a NATO...

Penso que, na verdade, o século 20 morrerá conosco, os que nele nasceram e permaneceram na planície. É a nossa memória e o nosso condicionamento que mantém e dão sentido aos ícones e seus feitos, mas também isso há de passar, levando o século consigo. À história e à visão distanciada dos que virão depois caberá a tarefa de purificar a avaliação de nossos dias do cascalho de nossas emoções e interesses imediatistas.

E nesse tempo, certamente, também será depurada a imagem e o conceito que hoje possamos ter de Fidel Castro, o ícone que se vai.

Penso que no jovem Fidel – e, por extensão, no punhado de garotos revolucionários de 1959 e na massa sofrida dos cubanos de então - podemos ver a força do idealismo e do humanismo, da aspiração ética e, sobretudo, da coragem que torna forte os fracos e produz milagres de transformação no homem e na sociedade. Um Davi convicto que de que podia enfrentar o gigante com o seu estilingue.

Depois, no Fidel entronizado no poder, reencontramos o desafio – e mesmo a tragédia – de todas as utopias, sabotadas pela condição humana, de fora para dentro e de dentro para fora. A história nos mostra que nenhuma utopia resistiu incólume a essa armadilha, nem mesmo o Cristianismo, que desceu à treva plena e indigna ao ser elevado ao poder. Ainda assim, tem sido esse o modo pelo qual avançamos, a linha torta em que Deus escreve certo, só percebida pelas gerações futuras.

Com Fidel, Cuba ganhou independência, justiça social, educação e saúde para todos. E também pagou um preço por isso. 

[Publicado na edição do Novo Jornal de 29/11/16 ]

O que vi e aprendi na ilha de Fidel. Relato e imagens de um de meus melhores mochilões >>> www.planetajota.jor.br/cuba.php

Tem vídeo novo na TV Sapiens >>> www.youtube.com/sapiensnatal 

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