Fundamentos filosóficos do estupro
Postado em 02 Jun 2016 18 43 Textos Anteriores








A violência contra a mulher emerge de uma  
concepção egoístico-machista que permeia,  
inclusive, parte do pensamento filosófico  



por JOMAR MORAIS


O estupro de uma adolescente por mais de 30 homens no Rio de Janeiro causou consternação nacional, mobilizando, principalmente, as mulheres contra a violência inominável. O fato em si é um horror, mas a reação coletiva indica que, apesar das aparências, vivemos em um mundo melhor que o de nossos antepassados.

Estupros, individuais e coletivos, repetiam-se com frequência no passado, em tempos de paz e, sobretudo, em tempos de guerra. E no Brasil, em décadas recentes, até cidades pequenas e aparentemente pacatas, como a Natal dos anos 60, conheceram as “curras” estampadas em manchetes e gritadas por jornaleiros nos fins de tarde. Sem comoção social, sem reação da comunidade.

Ver o país reagindo a um caso isolado, embora extremo, de agressão à mulher dá-nos a certeza de que houve um salto de consciência, à luz do ideário da liberdade e da justiça, e reforça a disposição dos que lutam pela dignidade humana, apesar das muitas resistências.

A violência contra a mulher não é fruto apenas da brutalidade explícita, quase sempre associada, por preconceito, à ignorância e a pobreza. Ela emerge de uma concepção egoístico-machista que permeia, inclusive, parte do pensamento filosófico, e cujos domínios se expande por mentes de homens e mulheres sob o disfarce de engenhosas atualizações.

Quando leio sobre homens monstruosos estuprando e espancando mulheres (e também quando vejo na mídia mulheres fatais exibindo seu poder de sedução), logo recordo o filósofo Schopenhauer em seu “Esboço Acerca das Mulheres”, uma pérola do pensamento machista universal.

“O simples aspecto da mulher revela que não é destinada aos grandes trabalhos intelectuais ou materiais”, diz o filósofo. “Ela paga a sua dívida à vida não pela ação mas pelo sofrimento, as dores da maternidade, os cuidados inquietadores da infância; deve obedecer ao homem, ser uma companheira paciente que lhe torne a vida calma. (…) O que torna as mulheres particularmente aptas para cuidar de nossa primeira infância é o fato delas mesmas se conservarem pueris, frívolas e de inteligência acanhada; conservam-se toda a vida umas crianças grandes”.

Schopenhauer é cruel em suas generalizações, embora suas “constatações” se revelem verdadeiras em algumas mulheres, não por serem elas mulheres, como acredita o filósofo, mas por serem humanas, como todos os homens pérfidos: “A injustiça é o defeito capital dos temperamentos femininos (…). A natureza, recusando-lhes a força, deu-lhes a astúcia para lhes proteger a fraqueza, donde resulta a instintiva velhacaria e a invencível tendência para a mentira.(...) A dissimulação é inata na mulher, tanto na mais esperta como na mais tola”.

O filósofo não para aí. Seu veneno é derramado sobre a alma feminina, roubando-lhe a dignidade e, por consequência, justificando qualquer ação do homem para se proteger de tal “ameaça” ou abusar de sua existência.

Os estupradores do Rio, provavelmente, nunca leram Schopenhauer, mas, com certeza, o endossariam.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 31/05/16 ]

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