Não é o que parece
Postado em 15 Apr 2016 02 38 Textos Anteriores











Se não sabemos para que servem nem como  
funcionam as instituições, como podemos votar e  
e fiscalizá-las sem nos deixarmos manipular?  


por JOMAR MORAIS


No meu último mochilão, estourei os joelhos pela terceira vez. Na corrida para cruzar o muro que separa a Palestina de Israel, levei um tombo, com a mochila nas costas, mas continuei a aventura. Só em casa, o menisco rachado deu o ar de sua graça, conduzindo-me à fisioterapia. E é lá, na clínica fisioterápica, que tenho feito um curso rápido sobre  o perigo das aparências.

Enquanto me submeto à vibração dos aparelhos, ouço conversas entre clientes e fisioterapeutas.  Juntas, dariam um livro divertido e dramático. O lugar reúne pacientes da classe média que teve acesso à escola, mas as conversas – exceto pelas referências a compras - não são diferentes daquelas que ouço em pontos de ônibus e nas periferias carentes. O traço comum é a desinformação e a imensa capacidade das pessoas de imaginar o que desconhecem.

Nesses dias de guerra pelo poder, política é o tema de muitos desses papos. E dói, como dói, ver gente com diploma universitário traçando um retrato simplório da política e da economia, com pinceladas de imaginação que desqualificariam um Júlio Verne. Poderia narrar aqui algumas dessas histórias, mas esse não é o ponto. Apenas me pergunto: se não sabemos sequer para que servem e como funcionam as instituições, se desconhecemos o que é cidadania e direitos e deveres do cidadão, se não conseguimos ver o elo entre economia e política, como poderemos votar e fiscalizar as instituições com lucidez e sem nos deixarmos manipular por grupos?

Na minha escuta involuntária, uma das coisas que mais me chama a atenção é a desenvoltura de um jovem policial militar que costuma comentar notas dos blogs de sangue – aqueles das imagens de horror -, enquanto se submete ao tratamento.

“Tempo bom era o passado”, disse ele outro dia do alto de seus 30 e poucos anos. “A polícia chegava atirando, mandava todos pro inferno e não tinha complicação com esse pessoal dos direitos humanos”.

A maioria na sala concordou e deu combustível à conversa. “Na minha rua, a polícia trocou tiros com assaltantes e baleou um deles”, disse alguém. “E o vagabundo morreu?”, perguntou o PM. “Não”, respondeu o outro. “Vixe, que desperdício. Gastou munição a toa”, lamentou o policial.

O tom da conversa subiu até que, após citar outros confrontos, pancadarias e tiros, o agente da lei falou de um parente que se desencaminhou, disse não ter pena dele e, finalmente, fez uma autocrítica: “De tanto ver coisa ruim, acho que fiquei insensível”.

Que nada, meu jovem policial. Nem você e nem os seus colegas mais velhos, que lhe repassaram essa cultura, estão insensíveis. Ao contrário, estão supersensíveis, trabalhando sob o domínio da emoção da raiva, derivada do medo, sem autocontrole e capacidade de discernir.

Isso é tudo o que agentes do Estado autorizados a portar armas e a utilizar a força no momento certo deveriam evitar. 

Equilíbrio emocional é fundamental para o bom exercício dessa profissão. Mas, lamentavelmente, isso não se exige, não se aprende e nem se treina nos quartéis e nas academias.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 12/04/16 ]

Cerca de 3 mil leitores viram os rascunhos no Facebook. Agora você pode assistir aos
videos completos, editados e musicados de "Nos Dois Lados do Muro", o mochilão
de JM em Israel e na Palestina, na TV Sapiens >>> www.youtube.com/sapiensnatal

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