Por que a Galileia
Postado em 17 Feb 2016 06 59 Textos Anteriores











Passados 2000 anos, a Galileia de Jesus  
conserva seu melhor traço: um caldeirão  
étnico e cultural que tolera diferenças  



por JOMAR MORAIS


Depois do périplo de 45 dias que realizei pela Índia em 2006, nenhum outro mochilão mexeu tanto comigo e com minhas referências quanto o que realizei há pouco em Israel e Palestina. Andarilho solitário, percorrendo lugares associados às nossas crenças fora da agitação das temporadas turísticas, pude viver também uma intensa experiência introspectiva e, assim, enxergar além do óbvio, chacoalhado pela sucessão de eventos que vieram em ondas como o mar.

Entrar em contato com a realidade atual dos povos judeu e palestino fez-me perceber nuances que não aparecem nos recortes imprecisos e, não raro, ideologizados, do noticiário sobre as complexas relações humanas no Oriente Médio. Mais: abriu-me uma janela através na qual o passado se me apresenta mais vívido e menos adulterado pelas tintas aplicadas por doutrinas e mitologias.

Jerusalém, por exemplo, provocou-me e me fez perguntar, comparar, levando-me ao inevitável porto da impermanência, cujo desconhecimento nos atira frequentemente às dores das vaidades e da avareza. A Galileia, porém, com sua simplicidade e beleza natural,  levou-me ao ápice de minha andança. Em suas trilhas vazias junto ao lago (o “mar” de apenas 21km x 12km, cercado de montes verdejantes), encontrei bem mais que marcos fisicos do Cristianismo nascente, resíduos de uma época efervescente. 

Jerusalém me fez pensar. A Galileia deixou-me sentir. Jerusalém enredou-me no mundo dos homens, do ego, com suas normas, certezas e temores. A Galiléia ofereceu-me a liberdade e tirou-me a necessidade de perguntas e respostas. 

Galileia dos Gentios! Assim a chamava a elite judaica de Jerusalém ao tempo de Jesus. Ortodoxa e orgulhosa, ela não conseguia compreender o caldeirão étnico e cultural que se formara na fronteira dos domínios de Herodes Antipas, onde judeus conviviam com a “raça impura” dos estrangeiros.

Cafarnaum, a cidade que Jesus escolheu para viver e realizar a maior parte de seu ministério, era uma vila cosmopolita onde cerca de 1500 judeus, gregos e dissidentes como Jesus e os 12 interagiam em debates que esquentavam tardes e noites, enriquecendo a vida de perspectivas e cores. Não há notícia de que Jesus tenha sofrido ali alguma ameaça à sua liberdade ou à sua integridade física, apesar do calor das discussões.

Tiberíades, o balneário hedonístico dos romanos, 16 quilômetros antes de Cafarnaum, seria mais tarde refúgio para doutores da lei e sábios judeus que, após a queda de Jerusalém e a destruição do templo, encontrariam ali a paz e a tolerância necessárias à reinterpretação do Judaísmo.

Passados 2000 anos, a Galileia dos Gentios parece conservar o seu melhor traço. Em sua paisagem serena, judeus e árabes israelenses convivem bem entre si e com os poucos cristãos que moram na área. O som de chifres de carneiro, ecoado das sinagogas, mistura-se ao canto de muezins das mesquitas e às badaladas dos sinos das igrejas. 

Então, em Cafarnaum, num domingo ensolarado, ante o lago salpicado de pássaros, observo o local onde um dia meu mestre pregou, inclusivo e compassivo, e sinto vontade de bradar ao mundo: A Paz do Cristo! Namastê! Om Mani Padme Hum! Shalom! Salaam Aleikum! Axé!


[ Publicado na edição do Novo Jornal de 16/02/16 ]

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