A luz na escuridão
Postado em 04 Sep 2015 18 08 Textos Anteriores













Como no universo, onde os sóis brilham contra  
um fundo de treva, a luz de nossas vidas brilha  
contra a escuridão de nossas dores  



por JOMAR MORAIS


Li na Internet que o comentarista do rádio e da TV Ricardo Boechat é o mais novo deprimido do país. No ar, ele admitiu ter sofrido "um surto depressivo agudo" ao chegar ao estúdio para trabalhar. Deu-se um "apagão" e nenhum texto lhe parecia compreensível. Levado ao médico, o doutor  esclareceu o jornalista: "balbúrdia mental, pânico e insegurança são sintomas clássicos de depressão".

Imagino que Boechat revelou o ocorrido para ajudar as pessoas. Já há algum tempo tornou-se comum figuras públicas anunciarem seus problemas de saúde, a fim de incentivar  doentes envergonhados a buscarem a cura para seus males. Quase sempre tais depoimentos acabam com a exaltação da bioquímica e a precisão dos médicos ao receitarem pílulas de última geração.

Não sou doutor em nada, mas o caso Boechat levou-me a tecer considerações para mim mesmo, com base em meu estoque de dúvidas, meu contato com o sofrimento das pessoas e minha própria história, feita - como a de qualquer ser humano -  de subidas ao céu e descidas ao inferno.

Imagino a rotina de trabalho de Boechat, a partir da rememoração de meus dias de repórter e editor na imprensa paulistana. Quantas vezes vi colegas sofrerem apagões motivados por estafa, por puro cansaço? As jornadas exaustivas, em várias ocasiões, deixou-me desanimado ou irritado, pronto para explodir. E explodi, sem que se considerasse, na época, que eu estava com um desequilíbrio bioquímico no cérebro. Para estafa e saco cheio, o remédio sempre foi voltar a dormir bem, tirar férias, chutar o balde, moderar os desejos, mudar de emprego...

O corpo e a alma pedem movimento e repouso. Fixarmo-nos em um desses polos, bloqueando a alternância, sempre nos conduzirá à impossibilidade de funcionar plenamente e curtir a vida com seus desafios. 

Até durante meus mochilões pelo Brasil e pelo mundo, meu lazer predileto, sofri apagões parecidos com o de Boechat em ocasiões em que me submeti a grande privação de sono ou subestimei os apelos de meu corpo para parar e fazer nada.

Também uma vida só de prazeres, sem a convivência com a dor, conduziria-nos rapidamente ao tédio e, em seguida, à estagnação, pois que o existir depende, em todos os seus aspectos, da dualidade e da tensão entre os opostos.

Mas...

O desvio hedonista de nosso tempo e os interesses bilionários que exploram as carências humanas  convenceram-nos de que a euforia deve ser permanente e, então, perdemos o direito de ficar cansados ou tristes.

Impressiona-me o número de "deprimidos" no mundo - uma epidemia, diz a ONU - e a abordagem materialista e mecanicista da depressão, um estado psicológico para o qual concorrem nossas crenças e valores.

Na multidão aflita por "felicidade", a noite da alma é rejeitada porque todos querem incondicionalmente a "luz". Mas, como no universo, onde os sóis brilham contra o pano de fundo da treva, a luz de nossas vidas só se fará visível se a ela integrarmos a escuridão de nossas dores e fragilidades.

[ Publicado na edição do Novo Jornal de 01/09/15 ]

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