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Como um bobo
sagrado pode
mudar o mundo
JM e a "Estátua da Esperança",  em Pietermaritzburg,  África  do Sul: um ataque racista despertou Gandhi para a sua missão
por JOMAR MORAIS
Ninguém atinge o degrau da verdade sem que antes mil pessoas
honestas o tenham denunciado como herege
- Junaid de Bagdá


Mohandas Karamchand Gandhi, o advogado, nasceu em 2 de outubro de 1869, em Porbandar, Índia. Gandhi, o mahatma, a “grande alma”, o líder espiritual e político que libertou a Índia do domínio britânico e marcou a história com o seu método de promover mudanças pela afirmação da verdade e a resistência não-violenta, nasceu na África do Sul. Foi na noite de 7 de junho de 1893, durante um episódio de racismo e injustiça social.

Aos 23 anos, Gandhi, o advogado, viajava na primeira classe de um trem que o levaria de Durban para Pretória quando a queixa de um passageiro britânico, incomodado com a companhia de um negro “cule” (como eram chamados naquela época os indianos emigrados para a África do Sul), levou o jovem formado em Londres a conhecer sem disfarces a face cruel do racismo. Por ter se recusado a mudar para o vagão da terceira classe, Gandhi foi empurrado para fora pelo agente ferroviário na estação de Pietermaritzburg, capital da província de KwaZulu Natal. Ali ele passaria a madrugada fria de inverno  mergulhado em profundo sofrimento e meditação. “Minha não-violência ativa começou naquela data”, diria ele em suas memórias.

Em 30 de janeiro deste 2018 -  exatos 70 anos do assassinato de Gandhi por um fanático hindu, em Nova Délhi - eu me encontrava diante da “Estátua da Esperança”, uma escultura de Gandhi erguida a poucos metros da estação de Pietermaritzburg, e por alguns minutos refleti sobre a “magia” com que a vida costuma transformar homens comuns, limitados pela normalidade, em gigantes da ética e fundadores de novos ciclos a partir de eventos inusitados.

Olhando para aquela imagem em pedra de um velho magro, quase esquelético, vestindo apenas uma tanga e apoiado em  um cajado, alguém normal e desinformado poderia ver apenas  a estátua de um mendigo ou talvez um bufão. E, se voltando no tempo, o mesmo observador fosse colocado diante, não da estátua, mas daquele senhor em carne e osso  a desafiar o império britânico e a civilização ocidental inteira muito provavelmente o avaliaria como um tolo ou louco, sem noção do mundo real e dos poderes que o dirigem. No entanto, Gandhi, seminu e andando na contramão dos valores predominantes, dobrou o império britânico e abriu novas possibilidades de reescrever a história.

Em Pietermaritzburg o jovem indiano experimentou uma ruptura que o colocou em oposição à “realidade” estabelecida pelo egoísmo dos dominadores. Assim, foi provocado a construir um novo caminho, prontamente ridicularizado e combatido por todos os que sentiam ameaçados em seus domínios. Não era uma exceção, mas a repetição da regra. Tem sido este, praticamente, o ponto de partida de todos os santos e predestinados que marcam a saga da humanidade. Foi assim, por exemplo, com Francisco de Assis e com o próprio inspirador de Francisco - Jesus de Nazaré: primeiro a ruptura, depois o “delírio” de perseguir o inviável.

Até aquele 7 de junho de 1893, em que pese seu interesse por temas espirituais do Hinduísmo e do Cristianismo, Gandhi era apenas um advogado iniciante obstinado pelo sucesso e embevecido na vaidade de cultivar trajes e hábitos britânicos. Golpeado pelo racismo, em segundos viu desmoronar o castelo de seus sonhos. Sua consciência social despertou. Sua vocação espiritual afirmou-se na direção da identificação plena com seus irmãos discriminados e excluídos. Ele jamais seria o mesmo.

Apoiado em sua ética religiosa, desenvolveu os princípios do Satyagraha - o “caminho da verdade” - e da resistência não-violenta às injustiças mediante a desobediência civil e a afirmação de valores éticos a partir do exemplo pessoal. E assim convenceu, organizou e mobilizou os 60 mil indianos então residentes na África em uma campanha anti-discriminação afinal vitoriosa na maioria de seus pleitos, apesar da reação violenta do aparato do governo. Gandhi foi preso duas vezes, foi agredido fisicamente em algumas ocasiões, mas contra a brutalidade sempre opôs o não-revide e a persistência em seu propósito, exemplo seguido pelos milhares de compatriotas por ele esclarecidos.

A experiência na África do Sul, encorajou-o a liderar a campanha pela libertação da Índia, a partir de 1922, depois de passar sete anos apenas estudando as condições concretas de seu país e reunindo apoiadores ao seu método de ação pacífica. E o êxito do Satyagraha repetido na Índia iria mais tarde inspirar gerações de ativistas da democracia e antirracistas, entre as quais as de ícones como Martin Luther King e Nelson Mandela.

Em seu belo e provocativo livro “Sabedoria Radical - rompendo as barreiras do senso comum e do lógico-racional”, o jornalista americano e budista Wes Nisker fala-nos sobre os “bobos sagrados” que emergem das “subculturas espirituais e do submundo esotérico e místico das religiões tradicionais”. Uma classificação em que se enquadram luminares como Jesus, Lao-tsé e Buda, todos eles mestres que se insurgiram contra a verdade convencional. Todos eles, de modo próprio, desafiadores dos costumes e críticos das cabeças coroadas.

Os bobos sagrados, diz Nisker, “são unânimes em afirmar que a falsa identificação com o eu alimenta o medo, o ódio e a inveja, o que por sua vez gera a violência e a guerra”. Em razão disso, eles quase sempre optam por uma vida simples ou de pobreza voluntária. “A identificação com os pobres força inevitavelmente os bobos sagrados a fazer o papel de rebeldes, chefiar movimentos populares e abalar as instituições políticas ou religiosas vigentes”.

Gandhi é um desses bobos, segundo Nisker. Ele achava que religião e política não se separam, mas devem ser vividas com o princípio primordial da não-violência. Ele pregava uma espécie de socialismo aldeão, com pequenas comunidades praticando economia solidária, com paz social, felicidade individual e realização espiritual.

“A centralização, como sistema, é inconsistente com uma estrutura não-violenta”, dizia Gandhi. Ele foi influenciado pelo pensamento de León Tolstoi (escritor russo, pacifista e anarquista cristão) com quem se correspondia e, por indicação deste, leu Henri Davi Thoreau (filósofo americano defensor da vida simples e da desobediência civil individual) e Piotr Kropotkin (pensador anarquista russo).

Crítico da civilização ocidental e do capitalismo em sua eterna “multiplicação de necessidades”, Gandhi achava que haveria violência no mundo enquanto existissem os extremos da riqueza e da pobreza. Wes Nisker lembra e nos faz refletir:

“Como tantos outros bobos sagrados, Gandhi passou a vida ajudando os pobres e viveu como um pobre. Ao morrer, só possuia uma roca, um conjunto de estatuetas proclamando 'não veja o mal', 'não ouça o mal', 'não fale o mal', um par de óculos, um cajado e algumas peças de roupas feitas em casa”.

O mundo precisa de mais bobos sagrados.


[ Escrito em 21/04/18 ]

Veja o videoflash O Despertar de Gandhi em Durban-Pietermaritzburg

Veja os vídeos da TV Sapiens >>> https://youtube.com/sapiensnatal