Ano 27                                                                                                              Editado por Jomar Morais
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por ALDENIR DANTAS
Com pouco mais de 25 anos, casado com a bela e sonhadora Rosalina e pai de três filhos, Chicó Ferreiro era um desses “faz tudo”. Forjava ferro, remendava panelas de alumínio, consertava rádios, maquinas de costura, pneus de bicicleta e o que mais aparecesse. Às vezes seus consertos davam certo, às vezes, não. Mas, por ser muito prestativo, bem humorado e servidor, sempre contava com a indulgência daquela gente simples de Mericó. Contudo, isso não impedia de, vez por outra, alguém queixar-se dele, devido ao mais grave dos seus defeitos: Não gostar de honrar seus compromissos. Fosse esse uma xícara de açúcar tomada emprestada à vizinha, fosse uma feira fiada na bodega.

Mas era tão bem humorado e, como diziam alguns, era tão sem vergonha e descarado, que as vítimas acabavam rindo das suas coisas e, assim, jamais arrumara uma inimizade por causa de suas famosas inadimplências. Claro que, seu crédito em Mericó, praticamente, inexistia. Sua cantilena, mesmo conhecida de quase todos, surtia um efeito devastador. E não era pelo discurso, em si, mas pela riqueza da comunicação não verbal que lhe imprimia, com gestos teatrais, modulação da voz e, vez por outra, algumas lágrimas:

- Sabe lá, o senhor, o que é ser pego à dente de cachorro como um bicho do mato! Pois é... Foi assim com minha bisavó! Ela era índia e foi arrancada covardemente da sua gente e trazida à força pra labutar na fazenda... Cristão nenhum do mundo é capaz de imaginar o que aquela coitada sofreu... De tanta tristeza, passou 30 dias sem comer e sem falar... E de lá pra cá, meu senhor, essa minha família é só sofrimento, um atrás do outro. E hoje essa maldição de sofrer cai sobre mim... E sofro, não por mim... Sofro mais é pelos meus pequeninos...  Sabe lá o senhor o que é a dor de ver seus meninos pequenos chorando pra botar um punhado de farinha com açúcar na boca e o pai não ter um tostão furado no bolso!

Com uma ou outra variação, essa história amoleceu muitos corações por onde andara mas, em Mericó, já estava meio desgastada. Mesmo assim, vez por outra, conseguia ele sensibilizar um incauto credor com um drama doméstico acrescido de um gesto que se tornara marca registrada sua: revirar os bolsos demonstrando não dispor de nenhuma moeda.

Alguns desconfiavam que seus bolsos eram semelhantes às mochilas de mágicos. Se ele colocasse dinheiro ali e, no mesmo momento, diante de um credor, precisasse revirá-los, não tinha nada dentro.

Havia, contudo, uma pessoa a quem Chicó nunca ousara enganar: Severino Pezão, afamado por haver sido, em passado remoto, um dos melhores servidores de Tião Capitão. Diziam que havia feito muita coisa errada a mando do patrão e, até, por conta própria. Por isso, sua prosa era rara e curta. Mas naquela noite, presenciando, uma animada conversa no bar sobre bons e mal pagadores, não resistiu e gritou a todos pulmões:

- Homi, eu digo é que num existe má pagador. Existe é caba frouxo, que num sabe cobrar o que é seu!

- Já sei, que o sinhô nunca emprestou nem vendeu nada fiado a Chicó Ferreiro.

- Vendê eu num vendi, mas semana passada emprestei um dinheirim pra feira pro coitado. Tava passano uma pricisão danada, com aquela meninada pequena.  Mas ele vai me pagá adespois da menhã.

Os interlocutores se entreolharam disfarçando sorrisos e um, controlando-se para não cair na gargalhada, repetiu:

- Pagar adespois da menhã...

- Isso mermo! E ai dele se num pagar. Se for priciso carrego inté o galo do terreiro, mas no prijuízo, num fico!

- Pois, adispois da manhã, aqui, nessa hora, o sinhô diz a gente se ele pagou.

- Apois tá certo! E seu chegar aqui de mão abanano, pago um lito de zinebra com tira-gosto pra tudim!

E assim aconteceu. No dia marcado chegou Severino. Os presentes apostavam na competência de Chicó e salivavam pensando no peba apimentado que o dono do bar preparara, especialmente, para a ocasião.

- Pois num é que aquele cabueta num me pagou! Mas num pense que vai ficá assim, não!

- Falou, arrancou uma pistola do cós, colocou em cima do balcão e berrou: - Tá pra nascê no mundo um caba pra passá a perna nesse véi aqui! Vou buscá meu dinheiro agora e s´ele num tivé trago, nem que seja, aquela mulé bunita que ele num dá conta! - Falou e saiu a passos largos, esbaforido. Nem ouviu o comentário entredentes de Dedé Ferreira:

- Mas num traga os minino, não, que é prijuízo!

O peba cheirava cada vez mais. O dono do bar inquietava-se pelo retorno de Severino vislumbrando uma melhora no magro apurado do dia. Ansiosos, os contendores já haviam tomado uma meia dúzia de aperitivos, quando o velho adentrou à sala tranquilo, dando a entender que tudo correra bem. Afinal, não trazia um galo debaixo do braço, nem uma mulher do lado. Antes que o indagassem, falou:

- Homi decente esse tá de Chicó, mas teve a desdita de sê um sofredô! Caba de cunversa aprumada. Tive uma boa prosa com ele.  - Falou, fez uma longa pausa e concluiu dirigindo-se ao dono do bar:

- Bote aí um litro de zinebra pra gente mais o tira-gosto que tivé! Tudim por minha conta!

Em meio à euforia da bebedeira, um dos presentes falou:

- Seu Severino, mas mostre de novo pra gente aquela pistola. Por aqui, ninguém nunca viu coisa parecida!

- Vendi pra Chicó Ferreiro. Daqui a um mês ele me paga o dinheiro da feira mais a pistola.

Um inadimplente
em Mericó