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Ano 23                                                                                                              Editado por Jomar Morais
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(*) Fábio Fidélis é professor, advogado e dramaturgo. Atualmente vive em Lisboa,
onde faz o seu doutorado. Escreveu o conto acima numa madrugada portuguesa
fria e inspiradora que o levou a reescrever a mitologia.
Uma referencia grega que o tempo não permitiu o devido registro comenta que Cronos, o poderoso titã pai de todos os deuses, depois de devidamente trancafiado no tártaro por Zeus, mereceu um raro indulto misericordioso de seu filho que já há tanto lhe substituíra na regência universal.

Zeus, acometido de inexplicável humanidade lembrou-se do pai e reconheceu que apesar de todas as tramas urdidas em desfavor dele mesmo e de seus irmãos não poderia negar a dignidade devida à sua antiga majestade. Assim, em um arroubo de compaixão, decide libertar o pai para, em seguida, despachá-lo em um honroso exílio nos rumos de remota região nunca sondada por homem ou deus.

Cronos, respondendo à altura ao gesto do filho, demonstrou nas faces as marcas do arrependimento e, apesar de portador do mesmo imenso e imemorial poder, ruma resignado ao porto que o conduziria às moradas do infinito distante.

Contudo, na última hora, em um movimento súbito e rápido, retira de pequena caixa que carrega consigo infindáveis grãos de areia finíssima, feitos de sua própria titânica essência nas horas em que, corroído pelo remorso, pensava no trono que tentou desesperadamente proteger.

E assim, com um leve sopro, fez penetrar a essência de si mesmo por todas as coisas. Entrou na embarcação, sorriu para o universo à margem e revelou apenas para o barqueiro que o auxiliava na entrada as suas intenções mais íntimas:

- Vamos, amigo barqueiro! Aos deuses e aos homens deixo o que meditei nos grilhões da prisão.  Se, preocupado com minha permanência no trono fui capaz de engolir cada um de meus filhos em louca fúria é sinal de que nele nunca estive assentado, mas tão somente nas projeções de um futuro que, ao fim, nunca chegou! Eis então que envio com meus últimos poderes um “presente” para aqueles que ficam... Em tudo e em todos deixo a marca do tempo.

Desde então, alguns inspirados mortais, quando conseguem conexão com essa mágica essência, libertam-se daquilo que já se foi e desapegam-se do que ainda virá.  São eles os fomentadores das revoluções e os iluminadores do mundo.

Segui Cronos para região desconhecida não sem inspirar, de alguma forma misteriosa, a sabedoria da escritura que soube sentenciar “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu”.

É a marca de Cronos, que a tudo consome, desfaz e renova! De algum lugar inacessível aos olhos a última e perene Ordenação de velho titã ainda teima em nos indicar que, pela própria lei de renovação universal, por nosso temos tão somente o que chamamos de presente.
O PRESENTE DE CRONOS
Fábio Fidélis
De algum lugar inacessível o velho titã ainda teima em nos indicar que, pela própria lei de renovação universal, temos tão somente o que chamamos de presente.